Devoção e Diversão

Nas festas juninas de Salto até meados de 1950, depois da missa, não podia faltar o samba de bumbo, ou batuque. Na Praça Vieira Tavares ou no Campo do Guarani (atual estacionamento do Supermercado Carrefour), em casas particulares da região central ou no então distante Buru: a fogueira era acesa e a bandeira de São Benedito hasteada, demarcando o território. A marcação grave era dada pelo enorme bumbo “Sete Léguas”, e o quentão rolava solto até o nascer do sol!

Viagens de Fé e Festa

Até meados do século XX, era tradição fazer uma visita ao santuário católico de Pirapora, e há muitos registros fotográficos dessas viagens no acervo das famílias negras saltenses. 

Os romeiros iam a pé, a cavalo ou de caminhão, para as festas em comemoração a Bom Jesus, padroeiro da cidade. E depois da procissão e da missa, “o pau comia!”: sambadores de várias cidades paulistas juntavam-se ali, contribuindo para que o local se tornasse um importante palco de encontro das diferentes modalidades de samba. 

Assista ao filme “Bumbo dá samba”, que fala sobre o samba paulista, o samba de bumbo e a Festa de Bom Jesus de Pirapora.

Entre o profano e o sagrado: manifestações culturais e religiosas

Na cidade de Salto, essas manifestações culturais se perpetuaram nos espaços rurais e urbanos, nos diferentes contextos em que a população negra constrói seu espaço de visibilidade e reconhecimento. No chão de terra batida do Burú tocando os batuques que duravam dias e noites; nas procissões e quermesses; nos barracões e no salão do clube José do Patrocínio a população negra saltense consolida esse patrimônio e suas tradições num processo de construção de identidades.

Esses sambadores de Salto juntavam-se a outros sambadores de todo o Estado de São Paulo na cidade de Pirapora do Bom Jesus ano a ano, contribuindo para que o local se tornasse um importante palco de encontro das diferentes modalidades de samba de bumbo, fortalecendo a tradição da festa religiosa em comemoração a Bom Jesus, padroeiro da cidade. 

Assim, as características profanas e sagradas fazem parte das manifestações culturais negras que se traduzem em um intercâmbio entre homens e divindades. 

Tendo como referência o universo da cultura banta, o patrimônio cultural da população negra da região, material e imaterial, se caracterizou pela união entre o sagrado e o profano. Isso se percebe nas mais diversas ações e comportamentos em que, quase sempre estão presentes uma oração ou sinal religioso. 

Neste contexto, os bantos contribuíram significativamente na formação desse patrimônio cultural, apresentando uma especificidade na linguística, nos costumes, na forma de pensar e lidar com o mundo e principalmente no campo religioso, mesclando elementos do cristianismo com suas tradições.

Os cultos, as festas e rituais, os instrumentos de percussão, com muitos cantos e danças, marcavam os encontros coletivos, sempre regados de comida e bebida. Nas irmandades, por exemplo, mesclavam–se às missas, os sermões, as novenas e procissões com danças, batuques, coretos, fogos de artifício, muitos quitutes e bebidas.

Isso também estava presente nas cerimônias de casamentos, de batizados, nas comemorações de aniversários, guardadas na memória dos grupos familiares negros, que depois da abolição e ao longo do século XX, apesar das difíceis condições de vida de seus festeiros e das políticas quase oficiais de exclusão, puderam se impor culturalmente na nova nação republicana.

A partir das memórias presentes nas fotografias, dos instrumentos guardados como verdadeiras relíquias, dos batuques passados de geração para geração, das comidas das cozinhas animadas, sempre acompanhados de orações e cantigas, busca-se reconstituir as festividades das famílias negras saltenses. 

Referências:

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Fraçois Rabelais. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de Brasília, 1999.

 

DEL PRIORE, Mary Lucy. Festa e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.

MANZATTI Marcelo Simon. Samba paulista: do centro cafeeiro á periferia do Centro. Dissertação de Mestrado.(Ciências Sociais) – PUC/SP,2005.

 

NOGUEIRA, Claudete de Sousa. Batuque de umbigada paulista: memória familiar e educação não formal no âmbito da Cultura afro-brasileira. Tese de Doutorado (Educação).UNICAMP.2009


Sites: Samba de Pirapora

http://www.piraporadobomjesus.sp.gov.br/historia/o-samba-paulista-nasceu-em-pirapora

 

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