Povos Bantos

Retratos de bantos escravizados no Brasil, desenhados por Johann Moritz Rugendas, viajante alemão que percorreu o país durante a década de 1820; fotografias realizadas em Salto em 2016.

Entre os séculos XVI e XIX, mais de 12,5 milhões de africanos foram escravizados e exportados para a América, a Europa e algumas ilhas do oceano Atlântico. Desses, cerca de 10,7 milhões chegaram vivos ao fim da travessia. Esses africanos eram provenientes de toda a costa oeste da África, passando por Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue.
Calcula-se que entraram no Brasil quatro milhões de indivíduos trazidos da África subsaariana para o trabalho escravo, e que 75% eram provenientes do mundo banto-falante, de territórios situados atualmente em Angola e nos dois Congos.
A palavra banto é a combinação de ‘ntu'(ser humano/homem) acrescido do prefixo ‘ba’, que significa plural. Nesse caso, Banto (bantu) quer dizer ‘seres humanos’, ou ‘gente’.Esse conjunto de povos que ocupou principalmente as províncias da região sudeste brasileira, era em sua maioria agricultores que conheciam também atividades pastoris.

No contexto brasileiro, os angolas, os congos, os bengüelas, monjolos, cabindas, rebolos, moçambiques, vindos das regiões mais variadas da África, formavam um conjunto de vários povos africanos que não apenas compartilhavam a origem linguística como também concepções de mundo. 

A contribuição dessa cultura bantu na sociedade brasileira se evidencia na maneira de ser e viver do povo negro, passando pela culinária, dança, religião, música , língua e todos os elementos do cotidiano.
O historiador Robert Slenes em seu artigo ” “Malungu, ngoma vem!”: África coberta e descoberta do Brasil relata como o viajante alemão Rugendas argutamente observou que muitos daqueles escravos africanos, angolas, congos, bengüelas, monjolos, cabindas, rebolos, moçambiques, vindos das regiões mais variadas da África, rapidamente podiam conversar entre si.

Slenes argumenta que Rugendas não apenas desenhava paisagens e tipos humanos no Brasil, mais entrevistava escravos, coletava informações sobre vocabulários de línguas africanas, e chegou a identificar algumas etnias específicas, baseando-se em depoimentos dos próprios cativos. Ao chegar a Europa compartilhou suas anotações com cientistas e linguistas e após décadas de trocas de informações a hipótese de Rugendas, de que haveria uma única família linguística foi aceita pela comunidade acadêmica, e a nova família de língua receberia o nome de “bantu”.

Essa descoberta de Rugendas não estava restrita apenas a questão linguística, mas estendia-se a outras áreas culturais, inclusive a da religião. Muito do vocabulário atual do português que é falado no Brasil, por exemplo, tem origem banta. Mais especificamente, se origina do idioma quimbundo, uma das línguas nacionais de Angola.

Veja o que diz Yeda Pessoa de Castro, a assessora técnica em Línguas Africanas do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo:


“os aportes bantos, como senzala, mucama e quilombo, estão associados ao regime da escravidão e simultaneamente integrados no sistema lingüístico do Português, formando derivados a partir de uma mesma raiz banto, a exemplo de esmolambado, dengoso, sambista, xingamento, mangação, molequeira ecaçulinha. “A constatação desse fato demonstra a anterioridade da presença banto e a amplitude alcançada pela sua distribuição humana em território colonial brasileiro, ante outros povos negro-africanos também em escravidão”. Em alguns caso, a palavra bantu chega a substituir a de sentido equivalente em Português. “Por exemplo, o uso de corcunda por giba, moringa por bilha, xingar por insultar, cochilar por dormitar,caçula por benjamim, bunda por nádegas, marimbondo por vespa, carimbo por sinete e cachaça por aguardente”.


Para Yeda Pessoa de Castro as denominações candomblé, macumba e catimbó são também de origem banto e representam provavelmente as mais antigas manifestações de religiosidade afro-brasileira nascidas na escravidão, como consequência do contato de orientações religiosas ameríndias e africanas com o catolicismo nos primórdios da colonização.
Fonte: http://www.palmares.gov.br/?p=2889&lang=es

Muitos alimentos cultivados e consumidos pelas populações bantas se incorporaram à alimentação cotidiana da população brasileira, como o jiló, a melancia, o maxixe, a galinha d’angola, o quiabo, o azeite de dendê e o feijão-fradinho. No campo da música, os bantos forneceram grande parte do ritmo que caracteriza a música brasileira. O gosto dos bantos pelos batuques, atabaques e instrumentos de percussão se refletiu em gêneros musicais como o samba, a bossa nova, o coco, o maracatu, o pagode etc. Um instrumento musical introduzido na música brasileira provavelmente pelos bantos foi a cuíca, que acredita-se originalmente ter sido criada para imitar os sons dos animais e ajudar desta forma a atraí-los para serem caçados.
Paulo Dias, Músico e etnomusicólogo e presidente da Associação Cultural Cachuera, aponta as fortes semelhanças entre duas tradições culturais de matriz bantu do sudeste brasileiro, o Jongo e o Candombe. Essas tradições articulam poesia, canto e dança ao som de tambores esculpidos em troncos de árvore, os quais são geralmente afinados a fogo. Uma das principais semelhanças entre as duas é o uso de uma poética metafórica que se coloca bastante próxima da linguagem simbólica dos provérbios e das adivinhas, formas literárias da oralidade bastante correntes na África bantu.
O sociólogo Valter Silvério entende que a identificação dos padrões culturais poderá ser ampliada com pesquisas que demonstrem a dimensão sóciopolítica das revoltas do século XIX. Além disso, destaca-se outra dimensão que vem sendo resgatada, relacionada aos saberes e fazeres tradicionais na manipulação de plantas medicinais e condimentares em comunidades quilombolas e ou afro-brasileiras como um patrimônio cultural.

DIAS, Paulo. “Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa”, org. de Iris Kantor e István Jancsó FFLCH/USP. São Paulo, Hucitec/Edusp, 2001.

LOPES.Nei. Novo dicionário banto do Brasil. Rio de Janeiro, Pallas, ed. 2003
NASCIMENTO, Elisa L. Cultura em movimento: Matrizes africanas e ativismo negro no Brasil. Rio de Janeiro, Selo Negro, 2008.

SLENES, Robert Wayne Andrew . Malungu, Ngoma Vem!: África Coberta e Descoberta No Brasil. REVISTA USP, São Paulo, v. 12, p. 48-67, 1992.

SLENES, Robert Wayne Andrew . Redescobrindo Rugendas . Galeria, Augsburgo, v. Ano 9, p. 56-59, 1998.

SILVÉRIO, Valter. Síntese da coleção História geral da Africa : século XVI ao século XX./Coordenação Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina Rocha e Muryatan Santana Barbosa. Brasília: UNESCO, MEC, UFSCAR, 2013.

Sites:
http://www.palmares.gov.br/?p=2889&lang=es

ALGUMAS PALAVRAS BANTAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Quitanda Moleque Minhoca Farofa Nanar Nenê Cachimbo Cafuné Baculejo Maluco Bambo Capoeira Banzo Sovar Paparicar Sotaque Marimbondo Moranga Fofoca Quiabo Fubá Quibebe Angu Bunda Ginga Caçula Cafundó Camundongo Butuca Cochichar Cutucar Calango Fuxicar Mamona Quindim Samba Senzala Tango

CONCEPÇÃO DE MUNDO BANTA

Segundo Ney Lopes, na concepção de mundo banta, o mooyo, presente em tudo, é a matéria universal, a força que faz as coisas crescerem e estarem vivas. Todos os povos tem seu mooyo.
Incorporar símbolos, ritos, crenças e valores de outros povos pode significar aumento do nosso próprio mooyo. Desde que proporcionem saúde, fecundidade, estabilidade, harmonia e prosperidade, todas as experiências são bem vindas, e isso não significa abandonar as crenças originais.
Ao entrelaçar-se a outras culturas, o modo de vida banto acaba por sedimentar essa pluralidade que chamamos “ser brasileiro”. Na concepção banta, sincretismo não é submissão, ou supressão, pelo contrário, é permanência e força.

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